março 19, 2015

........................... PRIMAVERA EM PARIS, SALON DU LIVRE 2015


O jornalista e escritor baiano radicado em Natal, ANTONIO NAHUD, participou da 35ª edição do SALON DU LIVRE DE PARIS, um dos maiores eventos literários da Europa, que aconteceu entre os dias 20 e 23 de março. Ele autografou em Paris seu livro “Confissões”. O Brasil, como grande estrela do evento, enviou 48 escritores pelo Ministério da Cultura. A caravana brasileira foi reforçada por convidados especiais, como o poeta e presidente da Academia Norte-rio-grandense de Letras, Diógenes da Cunha Lima, e Nahud. Além dos lançamentos, também houve exposição e palestras com autores.

Entre os nomes levados pelo MinC, Affonso Romano de Sant’Anna, Ana Miranda, Betty Mindlin, Daniel Galera, Edney Silvestre, Fabio Moon, Fernanda Torres, Fernando Morais, Leonardo Boff, Lu Menezes, Marcelino Freire, Marcello Quitanilla, Marina Colasanti, Milton Hatoum, Nélida Piñon, Paulo Coelho, Paulo Lins, Ronaldo Correia de Brito e Tatiana Salem Levy. Esses autores já tiveram obras traduzidas para o francês.

“O Brasil é um arquipélago cultural, e cada Estado é uma ilha que, muitas vezes, não se comunicam entre si. Geralmente, o desinteresse pela cultura é muito grande. O retorno é grande, mas não aparente. Em um evento desse porte, fazemos contato, vemos muita coisa interessante. Somos muito ricos para vivermos isolados”, disse Diógenes da Cunha Lima.

Aproveitando o convite para participar do SALON DU LIVRE DE PARIS, ANTONIO NAHUD fez entrevistas (Paulo Coelho, Fernanda Torres, Christina Oiticica, Sebastiao Salgado e Daniela Espana) para o seu quadro no “Programa Virtuall”, “Ícone do PV”; e o “Novo Jornal” (RN). O poeta-peregrino moveu-se na Europa (Paris, Lisboa, Porto, Santiago de Compostela e Barcelona) durante 15 dias. Reviveu uma história pessoal antiga – as viagens, o encontro de sonhos e a partilha de culturas a mudar o olhar perante o mundo. Visitou museus, realizou contatos literários e escreveu uma série de poemas curtos. Por fim, deu entrevista. Confira abaixo.


senadora fátima bezerra e antonio nahud
antonio nahud e fernanda torres
antonio nahud e paulo coelho

EU SOU UMA GRANDE AVENTURA

por Dani Gálan

Chegando de Natal, no Nordeste brasileiro, onde vive há cinco anos, ele acaba de apresentar o seu mais recente livro, “Confissões”, no Salon du Livre de Paris, onde o Brasil foi o país homenageado. Em sua trajetória, viajou pelo México, Cuba, Argentina, Marrocos, Alemanha e Itália, entre outros países; viveu em Lisboa, Madri, Barcelona, Paris, Londres, e depois num palacete decadente em Sintra. Escreveu onze livros, de viagem, poemas de amor e de fúria, crônicas, entrevistas, biografias. Irreverente, inquieto e polêmico são adjetivos que pouco ajudam quando se trata de juntar as peças deste quebra-cabeças enigmático chamado ANTONIO NAHUD. Mas nao custa tentar. Leia a entrevista.


POR QUE ESCREVE?

Porque creio que um bom livro é mais importante do que muitas coisas consideradas importantes. Por exemplo, “O Morro dos Ventos Uivantes”, um romance que li várias vezes, escrito no século XIX, continua vivíssimo. Entretanto quem lembra dos políticos, religiosos, empresários, belezuras, nobres ou fidalgos que viviam na mesma ocasião na Yorkshire da escritora Emily Bronte? Eles estão mortos, enterrados e ... esquecidos! E com certeza, na sua época, suas ações eram consideradas mais importantes do que a literatura de Emily. Escrevo também por uma necessidade que surge de uma falta, de uma ausência, como muitos autores já declararam.

QUAL A MISSÃO DO ESCRITOR?

Não acredito numa missão literária, tampouco em mensagens. A literatura precisa de paixão e verdade, nunca de sermões, apalpos ou conselhos. Deixemos essas coisas para livros de auto-ajuda. A única responsabilidade do escritor é para com sua arte. Ele deve ser amado se for um bom escritor. Qualquer tragédia de Eurípedes vale mais do que um punhado de boas intenções.

COMO PODE GARANTIR QUE UM ESCRITOR É BOM EM SUA ESCRITA?

Constatando se ele colocou sinceramente na escrita a sua verdade. Se ele naturalmente libertou sua mente, suas energias. Não há nada mais enfadonho do que escritores formais ou que escrevam corretamente, sem enfrentar os próprios fantasmas. O triste é que eles existem aos montes, multiplicando-se tão facilmente como baratas.

POR QUE VIAJA TANTO?

Eu nasci numa fazenda nas Terras do Sem Fim de Jorge Amado, cercado por cidades de porte médio perfeitas para fábulas sombrias de Tim Burton. A conversa nestas cidades consiste em trivialidades: crimes, telenovelas, infidelidades, reputações arruinadas, ofensas políticas, futebol etc. Nunca o aspecto fundamental da vida é discutido. Eu ainda hoje fico espantado, porque as pessoas que não vivem no mundo das ideias, murcham rápido, numa velhice precoce assustadora. Aproximei-me da psique das ideias por meio dos livros. Então surgiu o desejo de viajar. Tornei-me um aventureiro. Hoje, eu sou uma aventura. Afinal, o desejo de viajar é também desejo de saber. Para conhecermos nossa própria comunidade, devemos conhecer boa parte do mundo. De certa maneira, viajar tem amplificado as vozes e as visões que passam na minha mente.

COMO LEITOR, A MINHA IMPRESSÃO É DE QUE NO SEU LIVRO ANTERIOR DE POEMAS, “LIVRO DE IMAGENS”, HÁ UMA LIGAÇÃO COM A REALIDADE EVIDENTE, E NESTE ÚLTIMO, “CONFISSÕES”, A LIGAÇÃO É MAIS CONTIDA. ELE REPRESENTA UM MOMENTO DE TRANSIÇÃO?

Não vejo dessa forma. Os livros interligam-se. Há uma ligação entre eles.

COMO NASCEU “CONFISSÕES”?

Nasceu do fato de eu estar morando num condomínio tranquilo, numa cidade vizinha a capital potiguar, Parnamirim. Vinha do centro boêmio, de muita agitação. Este livro resultou também de uma desilusão amorosa, do fim inevitável de um bonito romance.


LENDO O QUE ESCREVE, PERCEBE-SE UMA CERTA ANSIEDADE DE ESTAR CONSTANTEMENTE COM O PÉ NA ESTRADA.

Como disse, sempre desejei sair mundo afora e escrever. Isso determina toda a forma como eu vivo. 

VIAJAR RESGATA UM OLHAR DIFERENTE SOBRE AS COISAS E OS LUGARES?

Exato. Atualmente, nesta viagem mágica que estou vivendo, escrevo poemas com total liberdade. Sao versos que tem o meu passado alterado e misturado com a viagem, tem elementos de fascínio pela natureza, visões misticas e sensações reais.

ISSO TUDO MISTURADO CHAMA-SE POESIA?

Não acredito na fronteira entre poesia e ficção. Neste caso são poemas, podia ser crônica ou conto. A fronteira é sempre a biografia libertária. Nunca se percebe muito bem o que é da minha história e o que não é. Mas trata-se sempre de um trabalho de autobiografia. 

A FORMA COMO O POETA FALA REFLETE SEU ESTADO DE ESPÍRITO?

Alguns disseram que o livro tem uma linguagem hermética, que talvez signifique que eu não domine aquilo que quero dizer. Pode ser e pode nao ser. Sei que sou eu que estou nele.

QUAL A TUA MOTIVAÇÃO?

Nesse momento, a minha motivação é o Amor. No amor confluem prazer e dor, a vida e a morte. O amor tem um poder metafórico fabuloso.

O AMOR, MAS COMO PULSÃO DE DESENGANO.

E de vitalidade. Este livro é uma tentativa de sobrevivência. É um ser que mergulha nas entranhas como forma de se manter forte, de sobreviver ao que lhe está acontecendo. 

ESSES VERSOS FUNCIONAM, O LEITOR SE IDENTIFICA.

A questão do desconforto existencial foi pouco notada por leitores e críticos. Como se houvesse uma espécie de pudor.

ESTE LIVRO PARECE REPRESENTAR UMA REVOLTA CONTRA O VAZIO.

Este livro sou eu. Vivo numa luta constante para sobreviver dignamente, mas também em relação às minhas próprias fragilidades. É um duelo constante.

QUANDO VOLTOU A VIVER NO BRASIL, DEPOIS DE DOZE ANOS NA EUROPA, HOUVE UMA DESILUSÃO?

Não houve nenhuma desilusão. Apenas uma vontade de conhecer melhor o meu país. Sempre senti que foi uma sorte eu ter voltado para o Brasil. 

ESSA VOLTA FEZ-TE OLHAR SUA IDENTIDADE DE FORMA DIFERENTE?

Isto é um aprendizado que trouxe da Espanha. A Espanha foi decisiva para mim. Foi a Espanha que me ajudou a decidir voltar para o Brasil.

POR QUÊ?

Esse reencontro com o mundo solar, com o inesperado selvagem. Foi uma decisão absolutamente iluminada na minha vida. Foi nesse momento, em dezembro de 2008, que eu decidi voltar para o Brasil. Porque queria esse reencontro.

NÃO TINHA SENTIDO ISSO NOUTRAS MUDANÇAS, POR EXEMPLO, NA INGLATERRA?

Não de uma forma tão espiritual. O mais íntimo no Reino Unido não se revela da mesma maneira. No Marrocos eu tive essa sensação. Deixei meu ser espiritual lá. No Brasil isso se repetiu.

PRETENDE CONTINUAR NO BRASIL?

Talvez. Eu olho para o meu tempo no Brasil sem desengano, e é maravilhoso viver nele. O Brasil foi, e continua a ser, parte da minha vida.

O QUE FARÁ A PARTIR DE AGORA?

Tenho vários livros na cabeça. Um romance, uma peça de teatro, uma antologia dos melhores momentos do meu blog O Falcão Maltes. Depois um relato passado na infância, os avós e a minha relação com a Mata Atlântica. 

QUAL A SUA CONVICÇÃO LITERÁRIA?

Acredito de que tudo é biografia. 

REALMENTE O BIOGRÁFICO ESTÁ SEMPRE PRESENTE EM TUDO O QUE ESCREVE. ISSO CONTINUARÁ A SER UMA MARCA?

Todos esses projetos de livros tem um elo biográfico, um laço com o presente, a minha biografia no presente. Porque eu procuro a verdade, mesmo a verdade inventada. 


SE HABITAMOS um CLARÃO,
ESTE É O CORAÇÃO DA ETERNIDADE


A COR E O PERFUME DAS COISAS


SER E NÃO SER, EIS A EMOÇÃO


O RIO QUE FLUI DO MEU CORAÇÃO


FOTOS: ANTONIO NAHUD


NA MÍDIA





março 16, 2015

................... “O ESCRITOR BRASILEIRO está JOGADO no LIXO”



Antonio Nahud entrevista JORGE MEDAUAR
São Paulo, novembro de 1989


Imagens: HIROSUKE KITAMURA


Sobre a literatura de JORGE MEDAUAR, escreveu Guimarães Rosa: “Há rigorosa autenticidade de campo, meio, cenário, há muita observação direta, documentando certo, sem atravancar. Tudo humano. Tudo arte, também. Medauar é mestre no unir os aspectos, as coisas. E, a língua, uma linha bem achada, padrão do melhor, gostosura. Acredite: o que digo, é o que acho”. Dele, afirmou Carlos Drummond de Andrade: “tem olhos perscrutadores, mas dotados de simpatia e compreensão”. Suas histórias trazem o colorido e a força daqueles ancestrais que o trouxeram ao mundo como um brasileiro de origem árabe, mais precisamente da milenar civilização síria, como afirma neste poema: “Sabei, sabei que fiz de antigos cedros / Barcos que a infância pôs à flor das ondas: / Meu pai, que é Medauar, teceu-me as velas / E a filha dos Zaidans, que é minha mãe, / Pôs amoras de mel no tombadilho. / Nesse barcos navego, marinheiro / Fenício do Zodíaco e dos trópicos / Vermelhos de lamento e de canção (…..)”.

Escritor dos humildes e oprimidos, da memória e solidão, o grapiúna JORGE MEDAUAR recebeu seu primeiro grande reconhecimento com o Prêmio Jabuti de 1959, com “Água Preta”, na categoria Contos, concedido no mesmo ano a seu conterrâneo, Jorge Amado, na categoria romance. Figura singular na literatura brasileira, criou uma estética literária ligada ao mundo sul-baiano como também à sua própria natureza. Com mais de 40 anos de literatura, o escritor nascido em Água Preta do Mocambo (hoje Uruçuca) e traduzido em vários países, publicou 15 livros, além da participação em inúmeras antologias.

O seu prestígio abriu caminho para uma frutífera geração de escritores e poetas das Terras do Sem Fim, destacando-se Hélio Pólvora, Telmo Padilha, Florisvaldo Mattos, Sonia Coutinho e Cyro de Mattos. Publicou o primeiro livro em 1945, “Chuva sobre tua Semente” (poemas), e o mais recente no ano passado, “Contos Encantados” (infantil). Aos 71 anos, casado com a ilheense Odete, tem dois filhos e mora em São Paulo há várias décadas. Leitor assíduo, confessa a influência do russo Anton Tcheckov na sua escrita e acredita que existem duas linhas mestras na literatura: a do escritor bem construído, sério com a linguagem, que não faz concessões, e a do que é justamente a outra face da moeda.
        
Para entrevistá-lo, esperei calmamente duas horas na sua biblioteca particular. Li algumas páginas de "O Coração das Trevas" de Joseph Conrad, deslizei os dedos pelos teclados da velha Remington esverdeada e bisbilhotei a adega com vinhos importados (logo seria convidado para saborear uma taça de vinho do Porto). Ainda matando o tempo, abri um JORGE MEDAUAR de 1949, “Morada de Paz”, lendo: “Estes dias não me pertencem: passam / Sob a indiferença de meus olhos / Meus cabelos e minha boca, passam / Irremediavelmente passam”.  Suspirei, algo nervoso, sabendo que logo estaria diante de um dos mais férteis prosadores da moderna literatura brasileira.

MUITOS ESCRITORES SE QUEIXAM DA FALTA DE LEITORES. ACUSAM A TELEVISÃO DE ASFIXIAR A LITERATURA. O SENHOR CONCORDA?

Não. Diziam algo parecido na época de ouro de Hollywood e o número de livros publicados só fez aumentar. A literatura continua viva, o que se tem reduzido é a boa literatura. Hoje é difícil encontrar um Machado de Assis ou um Graciliano Ramos. O escritor atual não se preocupa em cuidar da língua e de outros ingredientes proveitosos.

ESSES “INGREDIENTES PROVEITOSOS” DETERMINAM A QUALIDADE DO ESCRITOR?

Exatamente. Só assim ele será bom, dominando o seu ofício. O mesmo pode ser dito de um carpinteiro ou um jornalista.

PODERIA CITAR ALGUNS ESCRITORES QUE DOMINAM O SEU OFÍCIO?

Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Marques Rabelo, Jorge de Lima e Monteiro Lobato são grandes nomes da literatura nacional.


O SENHOR SEGUE ALGUM MÉTODO PARTICULAR AO ESCREVER?

Sou um escritor impetuoso, não trabalho diariamente, só quando um tema me agarra, levando-me a escrever. Cito umas palavras que ouvi certa vez de Graciliano: “tem dias, quando termino um capítulo, em que sinto um verdadeiro orgasmo”. É o meu caso. O que faço é tentar compreender meus personagens. Coloco-me no lugar deles, quer seja um homem ou uma mulher. O que me interessa é viver por procuração o que esse personagem vive. Esqueço-me do que eu faria naquele lugar. Outra coisa, detesto revisar, corrigir.

SUA LITERATURA PRIMA PELA AUTENTICIDADE, PALCO DE IMAGENS E PERSONAGENS REALISTAS. CONSEGUE ESTE RESULTADO ATRAVÉS DE PESQUISAS OU A MEMÓRIA COMANDA O ESPETÁCULO?

Sou um memorialista, mas sempre volto às minhas bases para não perder o passado, afinal a memória caminha de mãos dadas com a fantasia. Percebo, inclusive, que há pessoas que se reconhecem nos meus livros, outros que não se reconhecem de todo. Dou uma visão do que lembro no meio de milhares de outras. É difícil falar do passado como se fosse imutável. Quando se pega num casal que tenha vivido uma história, e um dia há uma ruptura e se ouve um e outro, tem-se duas versões totalmente divergentes. É o próprio princípio da literatura, não há a verdade absoluta.

NUNCA SE INTERESSOU EM ESCREVER TEXTOS TEATRAIS OU ROTEIROS PARA CINEMA E TELEVISÃO?

Fiz um texto teatral nos anos 60 chamado “A Bomba da Paz”. Está engavetado. Acredito que não tenho talento para esses veículos.


O SEU TALENTO ESTÁ DIVIDIDO ENTRE A LITERATURA, O JORNALISMO E A PUBLICIDADE...

Trabalhei muitos anos como jornalista e publicitário. Agora estou aposentado. De vez em quando escrevo para o Estadão, a Folha de S. Paulo ou A Tarde, mas sem qualquer compromisso. O publicitário, vez ou outra, também faz um free-lancer. Mas a literatura sempre foi e continua sendo o meu interesse maior.

MESMO ADMIRADO E COM UMA LONGA TRAJETÓRIA, NÃO É UM ESCRITOR DE BEST-SELLERS. SOFRE POR ISSO?

Nunca optei por esse caminho. O que determina um best-seller são certas concessões. Recentemente saiu um livro chamado “O Açougueiro” que pretende ser literatura e não é. Não passa de erotismo barato. É uma obra pronta para fazer parte da lista dos mais vendidos. O sucesso também é uma faca de dois gumes. Quando alguém tem sucesso, há uma dupla reação: por um lado, as pessoas querem abraçá-lo; por outro, querem sufocá-lo, destruí-lo. Os que escrevem não conseguem entender por que é que não são eles que se tornaram conhecidos, que tiveram sucesso. Pensam sempre que é por causa do outro, que lhes barrou o caminho.

O ERÓTICO SERIA A CHAVE DO SUCESSO COMERCIAL? É O QUE O LEITOR ESPERA?

Entre outras coisas. O leitor espera prazer, satisfação e sair da leitura acrescentado de alguma coisa. Isso só acontece quando há um encontro íntimo entre autor e leitor.


DEPOIS DE TANTOS ANOS ESCREVENDO HISTÓRIAS CURTAS, ACHA QUE O CONTO TEM UMA LEGIÃO DE FIÉIS?

Constato que o conto vende muito mais hoje em dia. Nós vivemos numa época de velocidade, de falta de tempo, e o conto, por ser um romance curto, pode ser lido em poucos minutos. Ele está mais vivo do que nunca. Existem jovens escritores de talento que continuam acreditando nele. Você, por exemplo. Li atentamente e com prazer os seus contos “As Queridinhas” e “Diário de Loucura e Razão”, publicados no Cacau/Letras.

FICO HONRADO... E O MUNDO EDITORIAL CONTEMPORÂNEO? ELE MERECE APLAUSOS?

Está brincando. Estou desencantado com o marketing e a mídia desse país. Dois ou três escritores são apoiados e acabou-se. Falta entusiasmo pelo livro. O escritor brasileiro está jogado no lixo. O mercado editorial só se preocupa com literatura estrangeira. Isso sufoca o autor nacional, dá raiva, impõe certo complexo.

OS SUPLEMENTOS LITERÁRIOS NÃO APOIAM O AUTOR NACIONAL?

Nem sempre. Mesmo assim são necessários até quando são ruins. Suplementos têm sua validez. Até o da Folha de S. Paulo, por exemplo. Mas quem sabe um dia tomem outro rumo e descubram a literatura local.
VIVE HÁ MUITOS ANOS EM SÃO PAULO. SE SENTE PARTE DESTA METRÓPOLE?

Não sou paulistano, apesar de bastante adaptado a esta grande cidade. Continuo sendo de Água Preta e assim sempre será. São Paulo é uma loucura, uma cidade desgastante, que mata e envenena. Claro que existem compensações, principalmente na área artística, mas também somos obrigados a conviver com o crime, a poluição e a dor.

QUEM SABE UM DIA VOLTARÁ A VIVER NA BAHIA.

Gostaria de voltar a viver na cidade em que nasci. Mas quando penso nessa ideia, lembro-me de Adonias Filho dizendo que também não há sossego num lugar pequeno, afinal sempre somos reconhecidos e apontados por muita gente. Nos lugares pequenos o visível e o invisível, o permitido e o proibido são mais evidentes. Valorizam demais as aparências, ao que as pessoas vão dizer.

ESTEVE RECENTEMENTE NO SUL DA BAHIA. O QUE CONCLUIU?

Mudou muito e toda mudança é sempre para melhor, embora tenha notado algumas coisas ruins, como os assaltos às fazendas de cacau. É, porém, sintoma da miséria generalizada. Esses assaltantes não têm emprego ou são mal pagos. São resultado da deformação das elites, que estão aidéticas, doentes, trabalhando para o fracasso dos modelos.


DIANTE DESTE QUADRO, QUAL SERIA A SOLUÇÃO POLÍTICO-SOCIAL?

A única solução seria abandonar o capitalismo e partir para o socialismo. Os modelos de governo que tivemos até agora são falidos, não deu em nada. Saímos do feudalismo para a república e agora estamos indo pra onde? As coisas estão cada vez mais piores. Fala-se muito, mas a realidade está carregada de miséria, terrorismo, xenofobia e racismo. Infelizmente eu não vou saber o que acontecerá no futuro, mas deixo como espião da vida, como dizia o Mário de Andrade, o meu neto, você, os leitores. Vocês são responsáveis pelo que vier. É preciso vigiar com eficácia o resultado das eleições presidenciais. É preciso vigiar a vida, o cotidiano, as nossas ações.

COMO É O COTIDIANO DO ESCRITOR JORGE MEDAUAR?

Sou um homem vulgar, comum mesmo. Quando estou com saudades da Bahia, triste, gosto de passear de ônibus ou de metrô sem nenhum destino em mente. Leio, escrevo quando sinto vontade. Quando tenho problemas tento resolvê-los pela literatura. Há quem vá para os tribunais, há quem ataque com uma faca, eu resolvo com a literatura. Sou casado há uma eternidade e nunca converso sobre literatura com a minha mulher. Ela não sabe quantos livros escrevi, lê o que faço e boceja, dormindo no meio do relato com a maior facilidade. Esta é a minha rotina diária.

Nota: Jorge Medauar morreu em 3 de junho de 2003, aos 85 anos.